Sunday, December 30, 2012

Noite de ano novo

_O próximo vai ser melhor, não é? - fez a mesma pergunta durante os últimos sete, oito anos. 
     Perguntava como se o ano posterior realmente iria ser melhor após alguém confirmar o fato. Parecia querer atestar que não era o único que tinha esperanças em dias melhores, apesar dos tais ainda não ter dado as caras. Perguntando a si próprio parecia uma promessa furada, sem fundamentos, sem sentido. Parecia-lhe mais uma das grandes besteiras que sempre prometeu e desistiu, por serem grandes besteiras. O sorriso não lhe fugia do rosto quando indagava os demais, mas por dentro um certo desespero lhe palpitava o coração, como se estivesse na ponta de um precipício. 
      Ao término de cada ano buscava algo para inovar sua vida. Entretanto sua inovação não passava do pensamento e o primeiro dia do novo ano era o mesmo primeiro dia dos últimos. A inspiração sumia como um sopro de sua alma e 364 dias haveriam de se passar, como os últimos, até que ela novamente voltasse. Talvez somente não soubesse como prendê-la bem, da mesma maneira que se prende um temido fora da lei para nunca mais se ver livre. Coisas boas também deveriam ser encarceradas e que fizessem uma grande rebelião. Que colocassem abaixo os velhos muros para que novos fossem erguidos.
       Mas todos estavam cheios de suas próprias promessas e sobre essas também guardavam uma dúvida, algo mais parecido com o medo da não realização, mas escondiam. Queriam estar vestidos de branco, com adornos mil e sorrindo para poder esconder a sensação mútua de uma incerteza do que viria nos próximos minutos. Reuniam-se para não pensar tanto nisso. Lançavam fogos de artifícios e se maravilhavam, não com suas cores ou seus ruídos, mas quando olhavam para cima viam o céu limpo e suas estrelas. Viam a lua. O mundo era enorme e cada um era algo de único na vida. Eram histórias diversas. Naquele instante percebiam que não era necessário tanto para que se fizesse da existência uma verdadeira poesia. O céu possuía a lua, as estrelas e nada mais e assim se tornava a maravilha que era.
    Poderia mudar de emprego, de casa, de carro, de roupa, mas nada adiantaria se não mudasse a roupagem interna. Água é água em qualquer frasco que a colocar. A inovação que sempre lhe fugia das mãos era essa; a mudança de sua essência. Na verdade não eram os anos que passavam sendo os mesmos, ele que não era outro. Os rios poderiam secar, as nuvens desaparecer ou mesmo mudar o seu nome, entretanto se não decidisse ver além do que estava à sua frente, nunca haveria de contemplar os lírios do campo. 
     Homem moderno, era mais um imediatista da sociedade que vivia presa aos ponteiros do relógio e seus prazos. Tinha prazo para tudo, menos para colocar em ordem suas prioridades. Às vezes questionava se era mesmo feliz, mas sempre estava em meio a uma reunião, ou no trânsito ou no fila de alguma coisa que lhe deixava menos feliz, isso com certeza. Acabava que não podia responder suas questões, pois deveria responder outras tantas que lhe faziam diariamente. Era incessante o turbilhão de ideias que lhe passava e não conseguia se agarrar a uma. Sobrava-lhe somente o último dia do ano para pensar sobre melhorias, realmente.
     Estaria passando pela vida ou a vida passando por ele? Trabalhava para viver ou vivia para trabalhar? Questões que seriam incógnitas eternas se não levantasse de sua cadeira e buscasse pelas respostas. Talvez não as achasse, mas certamente responderia tantas outras. Durante o caminho não apenas se segue em direção ao destino planejado; podemos pegar atalhos, ser obrigados a mudar o trajeto. A caminhada era longa e dela se tirava lições diferentes das que se pretendia. Tomar uma decisão era como abrir um livro e ler um capítulo que mais se agradava, porém havia outros ali que completavam a estória e tinha igual valor no significado total. Quando se ambicionava chegar em algum ponto, muito além do que se espera é necessário. 
     A rotina das pessoas já era demasiada complicada e faziam questão de complicá-la ainda mais. Parecia que funcionavam somente tendo como combustível os problemas e preocupações. A pressão os fazia pensar cada vez mais rápido, porém com menos qualidade. Não pensavam que na próxima esquina poderiam encontrar um amigo, estavam esperando sempre um bandido; não pensavam que no balcão da lanchonete estava alguém que precisava sustentar uma família, estava um mero empregado; não pensavam que a felicidade estava tão perto quanto pensavam; deveriam viver uma vida inteira de infortúnios para ter a certeza de onde ela estava.
     O sistema em que vivia dizia quando e como as coisas acabavam. Tudo tinha seu tamanho, cor, nome, uma forma determinada por alguém que não sabiam quem era. Engoliam o que já vinha mastigado e ainda assim se sentiam insatisfeitos. Pensavam ter o que sempre desejaram, mas na verdade cegavam-lhes suas reais necessidades com artigos desnecessários. Não queriam que pensassem, pois pensar daria prejuízos a grandes sonhadores e suas contas bancárias.
      A primeira promessa que deveria fazer era essa: levantar. Sair do lugar-comum e procurar o seu. Fazer um prospecto de suas metas. Se estava escuro, bastava se levantar e acender a luz. Ascender os degraus de uma longa escada que o levaria a níveis de onde observaria a antiga miséria que fazia de sua vida. A real felicidade requeria ação, movimento. Ela era rebelde e não se contentava com conformidades. Era um adolescente que questionava o mundo ao seu redor. Sua energia vinha do coração que pulsava, do corpo que movimentava cada músculo, da dor com que a batalha retribuía. Não possuía fórmula para ser resolvida em calculadoras, não possuía horário pra que chegasse, não ocupava espaços, não era carregada nas carteiras. Também não era algo constantemente presente. A felicidade não era um cartaz de creme dental pregado nas paredes de altos prédios. Era uma lição de casa: nós os alunos e a vida, a professora. Quando errávamos, ela nos corrigia; quando acertávamos, íamos à próxima. Não consistia em sempre estar alegre, mas sim aprender a sorrir.
_O próximo ano vai ser melhor. - disse, depois de sete, oito anos, vendo os fogos no céu.
     


Gabriel Costa
31/12/2012
     
     
     
     

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