Friday, October 4, 2013

Chances

          As cicatrizes nunca serão apagadas. E por mais que a remoa, mais suas marcas serão evidentes. Então, mudo o foco de minha atenção delas para as partes que ainda me sobram intactas. Talvez nenhuma parte de meu corpo escape dessa vida sem que esteja marcada pelos acontecimentos passados e vindouros. Que assim seja.
          Por quantas vezes tive que tomar outro caminho, desviando-me daquele que pensei ser o correto. Por quantas vezes tive que mudar o tom da vida, pensando que aquele no qual cantava era afinado. Por várias vezes fiz acertos em meu próprio manual de instruções e ainda assim hoje acho erros diversos. Viver não é lá tão simples. Mas em todas as vezes que algo se alterava em meus planos, foi necessário que outro fosse escrito. E dessa maneira, nunca percebi que estava me dando uma chance. Um segunda chance em tudo.
          Vivi vinte e três anos negligenciando a própria vida. Na verdade, eu apenas ia sobrevivendo ao que em meu caminho se impunha. Andava aos tropeços, em frangalhos, com o rosto manchado por lágrimas daqueles tempos e de tempos passados. Sempre fui péssimo em superar certas coisas. Do resumo dessa época, deixei-me consumir por minhas dores, tornando-me um poço de angústias que hoje vou secando - com dificuldade, afinal por um longo período elas constituíram o que pensei ser eu. Minha visão sobre a vida e a própria felicidade eram obscuras; uma nunca se relacionava com a outra. As pessoas não prestavam - o que, não em seu geral, não é uma inverdade. Era tanta negatividade acumulada em uma pessoa só. E tudo isso se refletiu naquilo que me rodeava.
          Minha qualidade de vida era péssima, e da mesma maneira, queria fazer que assim fosse a todos. Não era do tipo de deixar meu barco afundar sozinho. Essa condição estendeu-se por minhas amizades, minha família e meus relacionamentos amorosos. No início todos eram bons; coberto pela magia da surpresa, do calor humano e esses sentimentos que temos quando uma nova fase se inicia. Mas dentro de pouco tempo, eu conseguia estragar tudo. Era como se houvesse um gatilho que disparava tudo de pior que em mim havia, após um tempo. E assim, fui perdendo amigos, o contato afetivo com a família, e perdi muitos amores. Todas essas perdas foram as cicatrizes que observo hoje no espelho.
          Entretanto houve um momento onde estive tão errado, que estava beirando a auto-destruição. Literalmente. Cheguei na beirada, e lá me equilibrei em uma perna só. Foi quase. Por pouco, tudo - que na verdade, descobri naquele momento não ser nada - foi perdido. Percebi que deixei que a vida se esvaísse entre meus dedos e ia perdendo toda sua graça. Ia me arrastando pela existência como se viver fosse um peso em mim atado. Estava quase me colidindo com um muro de concreto em uma estrada sem saída, e antes que pudesse ver todo o meu ser feito em pedaços no chão, consegui frear a mim mesmo e tudo em que acreditava até então. Era necessário reavaliar uma vida inteira.
          Foi aí que me dei a maior chance que poderia ter. Começar novamente.
          Tive uma séria conversa comigo. Avaliamos nossas crenças, nossos modos, nossos gestos, fizemos um grande apanhado dos resultados que geramos durante essa caminhada. Não foi muito acolhedor o que descobrimos. Entretanto, de todo mal eu não era constituído. Apesar dos deslizes deixados, percebi que minha essência era completamente diferente do que eu havia oferecido ao mundo. Era pura e boa. Espantei-me com esse achado. Vi que em mim residia uma grande força, uma fé enorme, tantas boas virtudes e sentimentos que poderiam fazer com que me elevasse perante àquilo que estava prestes a mudar. Finalmente descobri quem realmente estava sobre o controle.
          A mudança veio, e ainda está ocorrendo. Estará sempre. Seria necessário um livro - e talvez fosse pouco - para poder descrever tudo que passei durante pouco mais desse ano que se vai. Não foi tão simples quanto bolar uma frase, mas o bom efeito que ela gera é bem similar ao que hoje sinto. Aprendi a extrair as melhores coisas que existem em minha alma e tento oferece-las gentilmente ao mundo. É minha forma de agradecer pelas pedras no caminho. Sem elas, nunca cairia e aprenderia a levantar. Levanto-me todos os dias, e me encho de felicidade quando posso ajudar outro companheiro de estrada a também se erguer. Hoje, esse é meu dom e minha vocação - mas fica para um outro texto.
          Tive quem me ajudou até aqui e haverão muitos mais. Mas, não como antes, sei que posso andar melhor sozinho. Independente de quão escuro e estreito for a trilha. Posso encarar qualquer desafio, que terei a mesma disposição e coragem para todos. Aguça-se em mim, dia após dia, um ser em desenvolvimento que dá chances para a vida acontecer. E está acontecendo. Maravilhosamente bem, está acontecendo. Hoje, sei melhor o que significa felicidade e amor. Não estou imune a nenhum tipo de problema, mas entendo que deles posso me desviar. E mesmo que eu ainda caia, vou me levantar novamente. Minha maior lição foi o recomeço.
          Todos os dias me dou uma nova chance: novos desafios, novas conquistas, novas emoções, novos sentimentos. Deixo que a vida flua em mim, como um rio que ao oceano chega; às vezes muito rápido, outras mais lentamente. O importante é que está indo. Não atropelo a ordem natural dos fatos, apesar de ainda carregar alguma teimosia. Mas deixa, que as coisas se encaixam da maneira como devem ser. Tudo tem seu lugar, sua hora, o momento para nos surpreender. A tudo que vivo, não me acostumo a nenhuma. Quero que sempre me surpreendam, e todas as vezes me encham com mais vida ainda. É uma maneira de dar uma chance a uma sincera existência, apaixonada, vívida. As cicatrizes nunca serão apagadas, e faço delas, hoje, um mural com minhas melhores obras.



Gabriel Costa
04/10/2013

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