Wednesday, August 21, 2013

Vida

          Dizem que a cada dia que passa morremos um pouco. Que se esvai o sopro da vida, restando-nos apenas o momento seguinte. O tempo passa sobre nosso corpo como uma brisa leve, retirando silenciosamente os nossos pedaços, desatando nossos nós, desfazendo nossos laços. É como os ventos do litoral, que da rocha sopra ao mar seu sal. Essa vida seria uma queda suave, uma pena a cair, balançando de uma lado para outro, até encontrar a terra. De abraços abertos, então, vou indo, pois sei que efêmera ela é.
          Não me sinto menos vivo hoje. Mesmo o cansaço não me tira o fôlego do viver, a ânsia de meu coração em pulsas ritmado, a força com que meus pulmões ventilam o ar. Estendo minhas mãos ao céu, tampo o sol de meus olhos, sinto seu calor. Sinto a grama em minhas costas. Sinto o sangue em minhas veias. Meu corpo se aquece, enquanto o ar sai de volta ao mundo, e já não mais me importo com a luz em meu rosto. Fecho os olhos e é como se tivessem abertos; a luz invade meu corpo, minha mente e minha alma.
          Em minha queda, vou leve. Não tenho mais pressa para tocar o solo. Esse momento certamente chegará, infalivelmente. Não o temo. É o curso natural da vida, o qual aceito bem e feliz. Este presente ciclo deve se findar em sua hora certa, e quando isso acontecer avaliarei meus aprendizados e me prepararei para a próxima vida e suas lacunas não preenchidas.
          Somente a própria vida pode me tirar dela. Deste corpo não é retirado vida; daqui desprende-se as falhas, as feridas, a ira, a inveja; vejo acabando com seu passar não o tempo que ainda me resta, mas as imperfeições que me impediram de melhor viver. Não acaba a vitalidade, permanecendo-se em minhas palavras, em meus beijos, nos meus toques e em meus passos. Caminho rumo ao conhecimento e ao equilíbrio. A matéria, sim, se acaba. Porém, retornando ao pó de sua origem, restará apenas luz.
          Estou feliz de qualquer maneira, e me deleito sem receios. Tenho um caminho aqui a trilhar como pessoa: escolhi quais seriam aqueles que chamarei de amigos, aquela que entreguei meu amor, as pessoas que irei ajudar, o conhecimento que irei adquirir. Todos possuem essa escolha. Nascer é um presente e viver é uma escolha. Escolhe-se ser ou não contente com seu presente. Ainda haverá quem diga que não se consiste de escolha.
          É maravilhosa a vida que recebi. Junto-me ao coro daqueles que cantam seus júbilos. Não ouso dizer que não é a melhor, pois assim é. Recebo aquilo que foi a mim destinado, escrito e ordenado. Nem uma vírgula foi retirada da estória que devo viver; ao contrário, tenho que adicionar outras mais em minhas crônicas: uma após a queda, outra depois de recuperar o fôlego.
          Estou satisfeito e nenhum desatino do destino está fora do roteiro. Tudo se encaixa, tudo tem sua forma e seu lugar. Vou deslizando como as águas de um rio que ao mar vai de encontro. De fato, encontro-me em cada esquina, em cada passo, em cada anseio, em cada tato. Sinto meu corpo vivo e pulsante. Sinto que sou a terra, o ar, a luz, o céu, sinto que sou o outro e também seus sonhos e temores. Estou completamente preenchido de tudo, e mesmo desta maneira todo muito ainda é pouco e todo tudo continua nada.
          Hoje, então, me enchi com um pouco mais de vida, de sabor das coisas, de luz. Sinto mesmo que estou mais vivo do que ontem. Mas sei que lá na frente o fim me aguarda sem pressa. Deixa-o. Também não estou com muita.



Gabriel Costa
21/08/2013




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