Tuesday, March 11, 2014

Um brinde à vida

         Quando eu partir não quero deixar nada.
         Quero terminar minhas obras aqui, o quanto puder e fazer que sejam aproveitadas ao máximo. Vou dizer aos meus filhos, aos meus netos, irmãos e amigos para que espalhem a mensagem, e esperarei do outro lado ansioso para que ela se torne em ação. Direi para ficarem apenas com as palavras, e o resto que se livrem: são pedaços de matéria inútil. Quero ao menos começar uma grande e forte edificação para aqueles que vierem depois continuar, tijolo por tijolo. Espero, ao voltar, se for necessário, que um belo castelo tenho sido erguido.
          Não quero deixar nem saudade. Antes de partir desejo preencher o coração de todos com que cruzar o caminho com alegria e amor. Deixar uma marca invisível e indolor, dessas que nos fazem mudar tanto. Não quero deixar memórias, quero deixar certezas. Não vou dizer adeus; apenas "até logo". Espero encher ainda mais a vida, dos conhecidos e desconhecidos, para que a morte não pareça cruel, mas sim uma passagem, uma transição, uma necessidade daqueles que em frente vão. Uma troca espiritual. Quero fazer com que seja apenas um crepúsculo a mais.
          Preciso viver muito. Não em anos, ou horas contadas, mas em experiências. Não é necessário que seja intenso, mas verdadeiro. Útil. Quero viver o que for útil; para o coração, para o aprendizado, para a alma. Quero aquilo que ajudará a construir, moldar, dar forma. Preciso aprender ainda tantas coisas e me esquecer de várias outras. Terei que reciclar conceitos, ideias, sonhos, modos. Será como me tornar outro com o mesmo corpo. É a mudança que chegará, muito bem vinda.
          Quero limpar minha alma. Não deixar nenhum rastro do antigo egoísmo, ódio, tristeza, dos sentimentos que me prendem a um mundo ruim e escuro. Vou tirar a grossa camada de poeira que se acumulou quando andei de olhos fechados, deixando minha vida ao sabor do acaso. Vou substituir as incertezas por um futuro certo; e sei qual será. Vou deixando meu caminho limpo, vivendo o que é necessário para que lá se chegue. Vou me despojando do meu traje carnal, pouco a pouco, vida por vida, e talvez seja lento, mas minha alma vai se livrando dos maus costumes.
          Quero me despedir de todos. Agradecer pelo bons momentos, e também pelos ruins, pois se aprende de ambas maneiras. Quero um abraço forte, um apertar caloroso de mãos e um sorriso; se não houver palavras, poderei ler através dos olhos uma história inteira. Levarei comigo todas essas impressões. Levarei as lições e sensações, para refina-las e fazer de tudo isso um melhor produto. Vou apurando a matéria bruta até que se chegue à joia. Não deixarei que nada se perca ficando para trás.
          Dos meus amores levarei tudo. Se pudesse, os levaria junto. Levarei todo o amor que recebi, toda a felicidade, todo o júbilo dos dias que jamais esqueci. As palavras de carinho, os momentos de ternura, os embalos em uma rede, uma tarde qualquer sem nenhuma preocupação. Não vou desperdiça-los esquecendo-os ao sabor do tempo. Não; aqueles anos são e serão sempre meus.
          De mim nada fica, a não ser os fatos. Vou e retorno, talvez não no mesmo lugar, com a mesma voz e o mesmo olhar, mas cercado ainda das pessoas que amei ontem. Não quero deixar nada, pois quero recomeçar. Quero coisas novas, uma possibilidade inédita de feitos únicos - novamente. Desejo que o mundo pareça uma nova terra, para fazer um novo plantio. Quero que se esqueça do antigo e se ocupe com o recém. Quero ser a velha árvore que durante muito tempo ofereceu o melhor que pôde sombra e fruto, e quando foi sua hora, partiu, deixando no solo uma pequena semente a qual nasce novamente, trazendo renovada a vida.


Gabriel Costa
12/03/2014 
          
   
          

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