Thursday, June 19, 2014

A culpa é de quem?

          Por mais que leve algum tempo até que compreenda de uma melhor maneira seus desfechos, não reclamo - mais - da vida. Sei que por trás de tudo até agora - e de antes, e anteriormente a isso, e para sempre deste modo, para mim e para você - existe uma boa razão. Somos alunos, enquanto a vida é o mestre. Podemos até não nos conformamos naquele momento, mas chegará a hora onde perceberemos uma grande lição. É o ciclo inevitável das coisas. Mesmo que demore quantas vidas forem, nós aprenderemos.
          Reclamo do frio da manhã, onde devo despertar para algum compromisso, mas não reclamo da vida que me foi dada para que eu pudesse abrir os olhos todos os dias. O desconforto momentâneo que ali sinto não se equipara à toda possibilidade que tenho para que me recupere em breve. E então percebo que o frio da manhã é o que obriga a alma a se aquecer - e deste modo se inicia o dia.
          Reclamo dos transportes em condições revoltantes, conhecido da grande população, ou de como um ou outro, em sua pressa e ignorância não consegue respeitar a sua vez, ou do aperto, o sono, o atraso, o relógio que penso estar contra minhas necessidades. Porém, neste percurso não reclamo da vida. Terei oportunidade de me recuperar ao longo das horas. Tenho força e vigor para poder passar pelos mesmos sufocos cotidianos. Até mesmo mantenho algo do humor após me livrar desta bagunça. Mais uma vez, são apenas momentos. Logo se vão. 
        Talvez alguma coisa me incomode em meu emprego, em minha chefe, em meus companheiros, naquele antigo prédio. Aquele cheiro que nunca adivinhei da onde ser ainda me incomodará por muito tempo. Ainda assim, não sinto nada averso à vida. Estou onde escolhi estar - e só foi assim quando aceitei a vida e o que ela me reservava. Estou aqui pelas capacidades que adquiri, e mesmo que surjam - e irão - os desafios, sei que estarei pronto. Não somente pela bagagem que possuo, mas também porque assim é. A velha questão de aprender; se não estiver sempre pronto, com caneta e papel às mãos, não anotarei as lições. Ao menos tenho que estar atento.
          Um dia posso me incomodar e passar a manhã, tarde e a noite com o semblante carregado; posso me chatear com pequenos fatos; posso falar coisas que nem mesmo são coerentes com os fatos - direi apenas para manter meu livre-arbítrio aceso. Enfim, serei um humano como sou todos os dias. E desta maneira, serei julgado, julgarei, usarei de todas minhas peculiaridades. Estarei girando meu particular mundo; nele existe coisas boas, ruins, neutras, coloridas, preto e branco. Consigo me dar bem com isso. E ainda assim, não vejo motivos para colocar uma "culpa" na vida. Dentre tudo que ainda pode ocorrer, ainda tenho que lidar com os fantasmas de meu passado - que ao menos não mais se multiplicam. Eu arrumei meus problemas, que eu dê um jeito de saná-los.
          Veja, somente em mim reside os fatores de minha lamúria. De onde vieram a não ser do meu próprio ventre; azar o meu ter deixado as portas abertas. Se alguma erva daninha cresceu, quem plantou aquela semente? Se está chovendo e mesmo assim sorrio embaixo de suas gotas, de onde vem essa felicidade? Se está tudo certo e mesmo assim encontro motivos para não estar em paz, quem não dormirá bem à noite?
          A vida é um presente a nós dado - hoje tenho mais certeza disso do que nunca. Quando recebido, cabe a você decidir o que fará dela. Do mesmo modo, pode também ser vista como um diamante encrustado na rocha bruta. Você como ourives deve lapidá-la até que se alcance a joia ali contida e usufrua de seu valor. Faça a analogia que lhe caber, mas perceba que nela reside somente o que é puro e verdadeiramente importante - além disso inventamos. É um estado inato, um sentimento imutável, é quase uma criança inocente. De todo bem ela está repleta, e se algo saiu desse contexto, a culpa é sua.
          Arrume um tempo e organize sua bagunça. Não estrague o que lhe foi dado em perfeito estado. Não culpe a vida pelos seus erros - não culpe, em verdade, ninguém. Fazendo isso, está renegando o controle próprio de seus atos. É uma declaração de incapacidade de tomar as rédeas de si mesmo. Pousar culpas em terceiros é demasiado fácil; quero ver se encarar diante do espelho e inquerir ti próprio. Reclame de qualquer coisa, mas não da vida, ou do mundo. Talvez reclamar sobre você mesmo seja tão importante quanto os elogios, pois dessa maneira consegue perceber o que há de realmente errado. Assim, desta maneira percebe-se onde reside verdadeiramente as falhas.
          Reclamo de tudo, menos da vida. Ela é boa demais para poder me dar o desprazer de insultá-la desta maneira. Mas então, pergunte-me logo: "Se é tão boa assim, por que do reclame?" Sei lá. Somos - e assim fomos criados - rebeldes sem causa. Caçamos motivos para nos vitimar perante nossos fracassos. Estamos constantemente carentes de algo - atenção, amor, carinho, respeito e respaldo. Queremos dar sentido à nossa existência baseado em nossas dores, ao invés de escrevê-la sob nossas felicidades. Parece que nos faz mais fortes assim. Claro, superar as dificuldades nos torna cada vez melhores - a  lição, lembra? Entretanto, ser feliz é o maior desafio (longe de ser uma impossibilidade). Ainda mais nos tempos e na sociedade os quais estamos inseridos. Mas ainda assim, você pode virar, dobrar, tornar a virar, dar meia volta, esticar, diminuir; toda culpa continua sua, minha, dele, do outro. Crescemos para sermos responsáveis pela nossa conta bancária, emprego, família, carreira. Por que não sermos responsáveis por nós mesmos? Vamos, está na hora.
       

Gabriel Costa
24/10/2013

          



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