Friday, January 10, 2014

O medo que tenho, você tem, Sabino e Clarice tinham

          Algumas pessoas buscam aqui um tipo de conforto, um alívio, outras não tenho certeza o que procuram, e tantas outras que não faço ideia de onde são, quais são suas dores, suas alegrias, como aqui aportaram. O importante é que algumas vezes posso ajudar. Me sinto excelente por isso. Tantos amigos que diz aliviado por algumas palavras que escrevi, outras vezes vejo trechos de meus textos em lugares que nunca imaginaria, publicadas por pessoas que não conheço. Quantas vezes trombei comigo mesmo em citações nas vidas alheias. Quanta felicidade e orgulho por fazer isso.
          Mas às vezes me pergunto se elas pensam que eu mesmo não tenho meus medos. Ou que não preciso também de alguém que escreva algo para me ajudar, inspirar, aliviar. Sempre tive a impressão que meus escritores favoritos eram heróis, de coração intocável, duros como rocha e muito bem resolvidos. Talvez eu tenha começado a escrever para me assimilar à tais características, sem propósito propriamente literário. Hoje sei que não, entretanto queria de alguma maneira a certeza com que escreviam tantas palavras. Queria escrever um livro numa noite fria, chuvosa, no silêncio e ver nascer o dia. Levantaria-me e olhando pela janela o sol viria banhar eu e minha altivez. Mas não foi assim. Quanto mais escrevi, mais me vi humano.
          Estou lendo um livro que é uma troca de cartas entre dois expoentes da literatura nacional: Fernando Sabino - o melhor cronista brasileiro - e Clarice Lispector - difícil leitura. Nunca havia imaginado um livro assim, que mostra uma grande amizade entre os dois, de décadas. Mesmo separados continentalmente, escreviam sempre um ao outro, pedindo conselhos, palavras boas, contando angústias - que não eram poucas - e notícias de onde estivessem. Mas o que mais tem me impressionado não é em fato a amizade, já vi que era coisa forte, mas sim o medo que ambos tinham em publicar seus livros! Dois grandes escritores de renome tinham medo mesmo de publicar seus contos em seções literárias de jornal. Em 1956, Fernando não sabia se lançava seu maior romance - que me inspirou a ser escritor, e o qual me influencia enormemente - O encontro marcado. Imagina se tivesse relutado? Hoje seu livro, que temeu tanto, já vai para não sei qual edição - mais de 50 anos depois. Na mesma época, Clarice se angustiava por causa do A maçã no escuro. Parecem dois meninos falando sobre desenhos abstratos no jardim de infância. Um pedia que o outro consertasse a obra e que mandassem publicar logo para acabar aquele sofrimento.
          Nunca imaginaria um sofrimento para publicar obras respeitadas e belas. Toda essa angústia e vida por trás de algumas páginas prensadas. Toda essa história para mostrar que mesmo aqueles que não imaginamos, têm seus medos. Tão apavorantes que talvez nem tenhamos impressão. E eles também precisam de um apoio, uma ajuda, alguém para dizer, mesmo que de longe, algumas palavras amigas e de ânimo. Eles tinham medo de não mais escrever, e passavam meses assim, no escuro. Começavam uma frase que ficava parada num canto qualquer. São medos comuns - também o sinto, e também o faço - e tem a magnitude que damos a eles.
          Obras geniais foram escritas com medo. Quantas outras façanhas também não tiveram o seu embalo? Mas o importante é que mesmo com esse sentimento, elas existem. Foram mais fortes e rebentaram qualquer prisão que ela teimava em prendê-los. O essencial existe mesmo por baixo de camadas e camadas de qualquer coisa que não o seja. Qualquer tesouro pode ser coberto por poeira, ferrugem, lama, escuridão. Entretanto, estão lá.
          Alguns de meus textos são um tanto pessoais, outros tento falar para "nós". Independente de seu cunho, pretendo sempre levar alguma mensagem, ou que tirem o necessário dali. Às vezes escrevo cartas para mim mesmo, para que depois de algum tempo um outro eu o leia, e responda. Estou perto algumas vezes, outras estou tão longe. Acaba que escrevo cartas para todos, endereçadas aos corações abertos e necessitados.
          Todos têm medo. Não adianta bater no peito e dizer que não. Antes, estaria mentindo para si mesmo. O medo é salutar, apesar de parecer uma contradição do que representa. Com medo sabemos que estamos vivos. Ele nos ajuda a manter acesa a chama da coragem, da determinação, da esperança. Os opostos se complementam e são necessários para a vida.
          Termino aqui, simples. Há dias tento dar um fim a esse texto. Talvez tenho ficado fora de foco, ou de ideias, ou de sentido. Mas o que digo é sempre isso: mesmo que eu, ou você, leia ou escute conselhos e coisas do gênero, tire suas próprias conclusões e aproveite o melhor daquilo. Repinte e crie sua própria base. O presente é o passado com partes novas e rebuscadas, não? Refaça sempre que necessário. Não tenha medo. Nem sempre tudo faz sentido.


Eduardo Mariano
11/01/2014

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