Sunday, February 2, 2014

A via de mão dupla

          Às vezes penso na origem das palavras, em como e porquê elas foram criadas. Ouço alguém dizer ao fundo: "Etmologia, rapaz!" Nossa língua é uma das mais ricas e complexas. As línguas latinas assim o são geralmente. Podemos definir tantas coisas de várias formas. Mesmas formas de várias coisas. Podemos falar, e falar, e falar e não cessar essa fala nunca. Enchemos de significado o que queremos. Enchemos de mais vida, mais sentido, mais cor. Enchemos nossa própria existência tendo tantas palavras para descrever o amor, a luz, a fé, o respeito, tentamos até mesmo definir o que não é definível. Tenho pensado sobre uma em especial: correspondência. 
          Não é lá tão difícil estabelecer sua origem, ou pensar sobre sua estrutura. Mas antes, nunca havia me importado muito com ela. Passava por meus olhos e era somente um amontado de letras. Hoje, agora, faz parte do meu estandarte. Ela está me fascinando, como as coisas simples geralmente o faz. Talvez não a tenha descoberto antes por não ver a beleza que o trivial carrega, a suavidade de traços, a ingênua felicidade.
         É um resposta, uma imagem especular de suas ações e desejos, um acordo entre duas partes, o combinado que não sai caro. A co-respondência. Não existe sem que haja uma pergunta e resposta. A correspondência exige que ambos estejam em sintonia, e provavelmente sintonia esteja sendo a melhor definição que a estou dando.
          De tempos em tempos parece que estamos fora de sintonia com as coisas; com o trabalho, com os estudos, com a família, o mundo, com nossas metas, conosco mesmo. E são dias terríveis. De todas as dores que já provei, essa falta talvez tenha sido umas das piores. Isso porque nunca soube como saná-la. Era um inimigo invisível. Chega quando menos se espera, fica por um tempo indefinido e travar uma batalha contra ele é doloroso. Perdemos a capacidade de responder ao que a vida nos pergunta. Prostramo-nos diante de sua influência sobre nós.
          Mas de repente, em um desses repentes maravilhosos do acaso, encontramos o desaparecido eu. O encontramos escondido no brilho de um outro olhar, na mão que a nós se estende em ajuda - e que por um gesto solidário estendemos -, no perceber que a vida passa, que pessoas se vão e outras mais chegam, na urgência que se faz do amor, nas lembranças que se tem, no presente que se vive, no futuro que se quer. Daí percebemos que é uma enorme e inimaginável teia de correspondência. Damo-nos conta da via de mão dupla que é o caminho que percorremos.
          Então vejo que dentro das próprias palavras se embute a vida. Que no sentido que elas possuem se esconde uma infinidade de possibilidades e destinos. Nada é somente o que parece. Precisamos treinar os olhos de nossa alma a ver além das formas. A querer além do simples desejo. Temos que nos treinar para extrair o máximo que tudo pode nos oferecer, riscando assim os riscos de não viver, da abstinência, do verdadeiro nada, do vazio. É uma necessidade para que não se torne banal nossa própria existência; abrir as janelas, sentir o sol e admirar os horizontes.
          O melhor vem quando há correspondência. O momento onde nossa teimosa expectativa finda, com a realização do querer. É o acontecer das coisas que sempre esperamos. O amanhecer de uma nova etapa; ponto de partida que vai nos levar sabe-se lá onde, mas sabemos que estamos pronto para ir. Nesse momento não existe dúvida, ou relutância, qualquer empecilho que atrapalhe, pois preparados estamos há muito, sem saber qual seria a hora. E a hora foi esta enfim.
          Não digo somente correspondência a dois, porque mesmo que nos force o entendimento desta palavra - que agora também sentimento é - algo que aconteceria somente a dois, pode ser uma correspondência consigo mesmo. Fato que por diversas vezes pode ser sublime. Por quantas vezes fugimos do que somos, de nossos sonhos, daquilo que sabemos que é nosso dever, por motivos que jamais vamos entender? Talvez, uma boa parte de nossa vida fizemos isso - tristeza maior existe? Entretanto, quando finalmente encontramos o emprego que nos deixa sermos profissionais capazes, quando deixamos o supérfluo de lado e obramos o que tem importância, quando conhecemos alguém que não precisa nos conhecer por trás de nossos muros internos, quando percebemos que deixamos o passado ser somente lembrança, isso é uma correspondência conosco. É uma correspondência com a felicidade que procuramos. 
          O trilhar o caminho que marcamos no mapa como nossa rota é a correspondência. A resposta, o encontro, o permitir, o combinado, a sintonia.
          Tenho me sentido correspondido. Comigo mesmo, e com os outros. Não há fórmulas para quase nada nessa vida, mas criei um manual ao qual posso seguir para chegar a este ponto. Um manual, sim. Dele posso extrair o que é necessário para se atingir um certo equilíbrio quando é necessário equalizar os lados da balança. Nele não consta palavras; é um sorriso que recebo, é o olhar que me prende, a voz que me silencia, o dia que faz recomeçar tudo, a luz que clareia minha percepção. Infelizmente, não o posso emprestar. Posso descrevê-lo apenas. Cada um cria suas redes, suas ligações, suas correspondências.
          E você, o que tem correspondido?


Gabriel Costa
03/01/2014

       

No comments:

Post a Comment