Sunday, October 5, 2014

A prece

          Deixe as fórmulas para os homens. Deixe que eles digam sobre rituais, formas e jeitos. Deixe que eles pensem que a única forma de falar sobre gratidão, pedidos e sonhos é sob os joelhos, em uma prostração física, com mãos unidas, fechadas, recuadas. Eles recitam palavras, meticulosamente escolhidas, as quais tantos falam sem ter valor algum; continua sendo apenas uma fórmula. Tiram o valor, o sagrado, a pureza daquilo que nasceu santo. Pensam que simples movimentos os tornam maiores que a simplicidade da crença, a sinceridade da entrega, a força da confiança. Deixe que eles se enganem e tropecem em suas próprias armadilhas, que entregam seu destino a ídolos falsos, ocos, sem vida. 
          Os gestos cegos contra o orgulho, surdos à raiva, alheios ao interesse, estes valem o ouro que todos os avaros procuram durante sua vida. Possuem um valor inestimável, inimaginável. Um montante ao qual apenas um deslumbre é mostrado nos momentos de felicidade. Por mais que um dia de sorrisos nos pareça a melhor e maior recompensa, não saberemos nessa vida a real valia dos atos que saem da sinceridade de nosso coração. É algo enorme para nossos pequenos corpos, nossa limitada vista, para nossa imaginação que ainda possui barreiras. Todos eles estão sendo contados, acumulados, vistos, e um dia receberemos aquilo que fizemos por merecer. Nada mais, nada menos.
          Quando abraço a quem amo e nossos corpos se esquentam mutuamente, elevo meu pensamento a algo maior do que nós. Transponho por um momento as pesadas correntes que me prendem ao chão, transportando-me para perto de Deus. Sinto que ali, em meus braços, está um pouco d'Ele, do que gentilmente me oferece, do que está por vir. Ao olhar no fundo dos olhos da pessoa amada vejo a construção do infinito, repleto de amor, e faço uma comunhão com o Universo. Um Universo que é sustentado pelo produto deste amor. Sinto passar pelo meu corpo o antes, o agora e o amanhã. Sinto que o tempo é um piscar de olhos, que a vida é efêmera. Sinto que devo apertar este abraço, pois se tal gesto me comunica com o que é sagrado, então jamais quero rezar de outra maneira.
          À gratidão pela noite aquecida em nossos recintos, à refeição que nos alimenta, nos mantendo ativos e vigorosos para buscar o sentido que à vida vamos dando, às nossas habilidades, aos nossos dons que são empréstimos divinos, lições aprendidas com vidas e vidas de erros, virtudes que nos ajudam em nossa caminhada, a tudo isso, ofereço o melhor de minhas preces. Quando olho ao redor e observo que tenho quantas vantagens, facilidades, conforto, alívios que foram concedidos para minha prova, entendo que existe algo maior do que hoje sou. Entendo que perante todas as leis da natureza, diante de todos os mistérios que regem o mundo, da beleza, sutileza de como tudo se encaixa, sou muito pequeno para crer que ascende de mim todas as forças. E ainda digo: preciso de ajuda, do exílio no amor de Deus, porque sem ele não sou nada.
          Em todo gesto de entrega se esconde o respeito e admiração àquele que por nós olha. Está a aceitação que somos falhos e durante um longo tempo precisaremos de apoio. Ainda assim, somos todos perfectíveis. Aprendemos a estender da mesma maneira nossas mãos em ajuda, esquecer um pouco nossos próprios interesses e, sacrificando um pouco de nosso tempo, nossas posses, nós mesmos, ir em auxílio a quem necessita ainda mais. A humildade em admitir que somos apenas pessoas comuns é uma honrada oração, assim como o exercício de abandonar o orgulho tolo, as vaidades desnecessárias, o acúmulo supérfluo, tudo o que nos impede o ganho espiritual. 
          Nos passos adiante, quando não deixo que minha vida se esvaia sem nenhum significado, faço valer tudo o que me foi dado. Enfrento da melhor maneira, com as ferramentas que possuo, aquilo que pedi. Momentos vários constituem esses dias: alguns falta coragem, em outros findo antigos assuntos dignos de pesadelo. Entretanto, não desperdiço as oportunidades de aprender, construir, observar, agir. Atribuo um grande valor às lições que aprendo de meus mestres e percebo que faço parte de uma grande escola. Estou me graduando pouco a pouco, e em seu tempo, estarei em uma outra. Terei novos livros para ler, incógnitas para descobrir, cadernos a completar, frases a dar sentido.       
          Amar é uma oração; abra o coração apenas. Não edifique muralhas em seu entorno. Espalhe, sinta, retribua. A nós foi dado amor, e apenas amor. Um amor tão enorme que nos é perdoado os pecados, as ofensas, a diária estupidez humana. Um sentimento que nos acolhe dizendo: "Está tudo bem. Estou aqui ao seu lado." Algo invisível, mais forte do que eu e você, que invade nossa alma, nossa casa, toda e qualquer fresta que exista. Não existe resistência a esse poder. Os gestos preenchidos pela fé são vistos e apreciados pelo fundo, não pela forma. Como poderia ser, se é imaterial e disforme a força que tudo criou? Amar é a melhor prece que se possa fazer.


Gabriel Costa
05/10/2014
          
         

No comments:

Post a Comment